terça-feira, 2 de junho de 2015

A rua hoje está fria...as folhas teimam em cair no quarto que escolho todas as noites. O cartão já se desfez e o cobertor que tenho tento dividir com o meu amigo de quatro patas...este sim nunca me desiludiu, nunca me abandonou, nunca deixou de saber de mim. Durmo no chão deste país porque não tenho dinheiro para comer, muito menos para me ir embora. Já perdi a conta às vezes em que contava as estrelas, às vezes em que sonhava ir à lua, às vezes que sonhei simplesmente...já perdi a conta. Hoje é só mais uma noite. Só mais uma em que adormeço na calçada por onde passam famílias felizes...por onde passam casais apaixonados...por onde passam jovens tão ou mais perdidos do que eu. Escolho este sitio porque tem vista para o mar. Aiiii o mar, onda vai onda vem, sempre tão calmo e sereno, sempre a alargar os meus horizontes, sempre a querer ser marinheiro no meu barco de cartão.
Daqui vejo todos os dias o pôr do sol...como é que algo tão lindo e brilhante se esconde por trás deste mar imenso? Vai dar vida, vai dar luz a outra parte do mundo...e a mim já ninguém me ilumina.
Sinceramente não sei quem se escolheu. Se fui eu que escolhi a rua ou se foi ela que me escolheu a mim. Foi qualquer coisa mútua. Ao inicio sentia-me livre, queria viver para sempre agarrado a esta natureza, a esta vida, a esta calma. Agora já só tenho medo. Sempre quis ser livre e a minha liberdade deixou-me sozinho.
Vivo de moedas que me atiram para o chão com desdém. "É mais um" "não dês vai gastar na bebida". Não tenho vícios, aliás nunca tive, o meu único vicio era a felicidade e essa eu perdi quando me despejaram do T0 que tinha arranjado. Não paguei umas quantas rendas e o meu senhorio não era bom de se assoar. Assim ficou, eu com as minhas caixas cheias de tralha e ele com um T0 vazio e cheio das minhas recordações.
Agarrei nas minhas coisas e fui dá-las a uma instituição. Para que queria todas aquelas roupas, tudo aquilo, se não iria ter onde dormir, onde as guardar? Fizeram parte de mim, mas ainda bem que fazem parte da vida de outro alguém.
O bom de dormir aqui é que faço vida de lord, posso tomar o pequeno-almoço na cama que ninguém refila...a não ser o meu patusco quando tem fome e lá me começa a latir a pedir que divida a minha única refeição com ele. Pequeno-almoço na cama...ainda me lembro tantos raspanetes levei por deixar migalhas na cama durante as férias de verão. A minha mãe tinha mau feitio, tinha a mania das limpezas e perfeccionismo. Tenho saudades tuas mãe. De quando me abraçavas bem forte, dizias que ninguém me iria magoar, que irias proteger-me de tudo e de todos...foste cedo demais mãe e agora ninguém me protege.
Vou dormir mãe e quando acordar, por favor faz com que a rua não esteja mais fria, que as folhas já não caiam, que as horas não pareçam eternas e que eu por favor mãe volte a ter DIGNIDADE.


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