quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Aqui estou eu...
Fechada entre quatro paredes de um quarto de hospital.
Velha, cansada, angustiada com tantas dores que me percorrem o corpo. 
Estou em coma, mas ouço tudo o que se passa à minha volta, os médicos a falar que já não tenho muito tempo,  as visitam que não chegam, os gritos dos meus companheiros de quarto, a felicidade daqueles que vão embora, e eu, vou ficando...
Eu era tão feliz sabias?
Fui tão feliz quando te vi nascer, quando a enfermeira pegou em ti numa choradeira pegada como se soubesses o que a vida te reservava. 
Fui tão feliz ao mudar-te a fralda pela primeira vez.
Fui tão feliz quando passei noites em claro ao ouvir o teu choro a ecoar pelas paredes do quarto.
Fui tão feliz quando te caiu o primeiro dente, fizemos uma festa com direito a bolo e tudo, estavas a ficar um homenzinho tínhamos que celebrar. 
Fui tão feliz quando te deixei pela primeira vez com os teus amigos para irem festejar a passagem de ano juntos, estava em pânico por dentro, mas, tudo o que te dei foi um sorriso. 
Fui tão feliz quando me sentaste numa cadeira no teu quarto em frente ao teu computador para escolher contigo a universidade e o curso que mais se identificava contigo, 
Fui feliz ao deixar-te na universidade mais longe que poderia existir para este coração de mãe. 
Fui feliz ao ver-te a vir aos fins de semana, nas férias grandes, que com o passar dos anos foram ficando mais curtas.
Fui feliz quando te vi trajado pela primeira vez e sussurrei ao ouvido do teu pai "o nosso menino". 
Fui feliz quando acabaste o teu curso, quando te entregaram o diploma, quando celebrámos em família. 
Fui feliz ao ver-te apaixonado pela mulher que escolheste para ser tua o resto da vida.
Ainda era feliz com os poucos natais que vinhas passar, tinhas a tua família e agora, a família dela...
Ainda era feliz com as tuas visitas mensais, tinhas que vir...precisavas sempre de algo...
Nunca odiei a minha nora, aliás nunca quis ser daquelas sogras maldosas e rabugentas, mas sabes meu filho, ela foi-te roubando um pouquinho de mim...
Deixei de ser tão feliz quando o teu pai decidiu partir, era o homem da minha vida sabes, éramos meros gaiatos quando nos conhecemos, fazíamos juras patéticas, a única que não foi, foi o nosso casamento, eu jurei que era para sempre e ele jurou que me faria a mulher mais feliz do mundo, e fez meu filho. 
Deixei de ser feliz quando a minha memória começou a falhar, lembrava-me mil vezes do teu nome com medo de me esquecer. 
Deixei de ser feliz quando a morte começou a chegar e não te tinha aqui meu filho, para me reconfortares como quando te caiu o dente pela primeira vez, como quando te deixei com os teus amigos, como quando te vi partir para a universidade. 
Estou gelada neste quarto imenso cheio de histórias e lamurias para contar.  
Queria morrer em casa, naquela em fui feliz, naquela que te viu crescer e onde guardo metade da minha vida. Vais vende-la não vais? para que queres uma casa a cair aos poucos quando tens um apartamento virado para a cidade?
Vais deixar-me partir sem ouvir a tua voz, sem sentir o teu toque na minha mão? 
Vais deixar-me flores na campa para te reconfortares e sentires que fizeste a tua obrigação?
Vais deixar-me ir meu filho sem saberes o quão me fizeste feliz.