terça-feira, 4 de novembro de 2014

Duas pessoas

Ele: Ela está enrolada num dos poucos lençóis que tenho de linho branco, está sentada diante de mim de costas, não consigo evitar constrangimentos. A luz do luar entra por uma brecha da janela incidindo nos seus ombros. Eu digo: os teus ombros. Ela olha-me por cima do ombro direito com os seus cabelos pretos cobrindo-lhe o rosto. O seu corpo é igual ao de tantas outras prostitutas, mas o seu toque...conforta-me, ainda que nunca lhe tenha dito, nem lhe dirija uma mera palavra. 
Estou cansado, farto da vida, viajei muito, deparei-me com gente e gentinha, com hipocrisia e falsidade. A esta mulher não me importo de pagar para me tirar de mim, para me despir a pele e cobrir a alma. Não conheço o seu timbre de voz nem a sua densidade, só conheço o seu gemido e quando me susurra para a continuar a satisfazer...eu continuo.
Os meus ombros interroga ela, queria responder sem ter noção que não eram os seus ombros que me aliciavam mas sim a sua pele suave, os seus seios erectos, as suas mãos ao percorrer-me o corpo...sim fazia mais sentido ter dito as tuas mãos.
Levanta-se deixando o lençol cair-lhe pelo corpo, caminha nua pelo quarto recolhendo os seus bens, veste-se e não posso deixar de reparar nos seus olhos vazios com a expressão " já está, foi apenas mais um", é assim que todas as prostitutas se sentem, são um bocadinho de todos e não são de ninguém. Os nossos olhares não se cruzam. Ainda que me apeteça dizer algo só me ocorre queres um cigarro? um copo de vinho? sabendo  eu que só queria que ela ficasse comigo esta noite, não como prostituta, mas, como amiga, amante, confidente, que falasse mas sobretudo ouvisse o que tenho para dizer. Mas nem para isso tenho coragem, acendo um cigarro e vejo a silhueta dela a balançar-se pelos corredores da casa ainda vazia, não sei o que procura.


Ela: Estou a olhar para o vazio, aliás como quase toda a casa. Sinto-me pequena numa imensidão de paredes. Embrulho-me num lençol, este homem, deixou-me completamente nua, despiu-me o corpo e a alma. Sugou tudo o que lhe podia dar. 

Não tem assunto, não fala, não tem qualquer carinho nem compaixão por este corpo. Diz: os teus ombros... Os meus ombros? os meus ombros são iguais aos de tantas outras, não me realçam, não primem a minha diferença. Olha-me como se olhasse para uma jarra, para um objecto sem qualquer utilidade.
É um homem viajado, mas tanta viajem só o trouxe mais vazio, angustiado. 
Os homens são nojentos, repugnantes!
Estou farta deles, não me satisfazem, não me fazem sentir mulher, sou um corpo, uma máquina de reproduzir orgasmos. Muitas das vezes devia ter vergonha por não conseguir excitá-los, mas são eles que têm. Perdem a sua masculinidade, homem que é homem faz-nos atingir o ponto G. 
Apesar de tanta frieza, de tanta falta de palavras, este homem mexe comigo.
Venho pelo dinheiro mas ficaria por amor. 
Recolho os meus pertences, fica a observar-me, não solta qualquer tipo de som daquela boca que tanto me dá prazer. Vê-me a ir embora, só solta perguntas vazias como: queres um cigarro ou um copo de vinho...Aceno-lhe negativamente com a cabeça e ausento-me daquele quarto, da sua vida. 
Não me impede, não quer que fique.
Procuro um brinco perdido pelos corredores...ou pela dignidade. 

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